terça-feira, 23 de agosto de 2011

DANÇA CONTEMPORÂNEA E ESPIRITISMO

Por Paula Salles

“A dança é um ato litúrgico do cosmo quando parteja. O que nasce, dança. O que vive, dança.  E o que morre permuta outro campo de movimento ... inicia novo círculo de expressão com nova significação! (Espírito Ananda, 2003- Casa de Oração Fé e Amor)

Gostaria de compartilhar neste texto conceitos que, acredito, aproximam a linguagem da dança contemporânea e o Espiritismo. Portanto, achei conveniente relatar um pouco da minha trajetória pessoal entre estes dois universos, a fim de que, possamos entender de onde surgiram estes possíveis diálogos e juntos busquemos outras proximidades.
Sou bailarina e espírita. Atuo como coreógrafa, professora e pesquisadora de dança contemporânea. Graduada pela Universidade Estadual de Campinas e especialista em estudos contemporâneos da dança pela Universidade Federal da Bahia, em parceria com a Faculdade Angel Vianna, no Rio de Janeiro. Integro o Grupo das Excaravelhas de dança contemporânea em Campinas. Escolhi trabalhar como arte-educadora ou artista-docente como define [1]Isabel Marques.
Há mais ou menos sete anos tornei-me adepta do Espiritismo, o que causou – me uma significativa transformação no meu modo de perceber e conceber a vida. A Doutrina Espírita revelou-me a riqueza do evangelho de Jesus através do conhecimento amplo que Ele possui sobre o amor e o amar. A Doutrina Espírita me revelou ainda, na sua filosofia, a crença na vida após a morte, a possibilidade de comunicação entre encarnados e desencarnados e a reencarnação.
O maior aprendizado que obtenho na Doutrina Espírita é exatamente que todos nós um dia encontraremos a Deus e que para isso é necessário que superemos as nossas imperfeições representadas no Espiritismo pelo tripé da: vaidade, do orgulho e do egoísmo. Mas, como superar as nossas imperfeições? Conhecendo-nos a nos mesmos. Esta é a grande chave que nos é ofertada pelo Espiritismo.
Durante todos estes anos de atuação com a dança e por tanto com a arte, venho justamente procurando compreender de que maneira a dança me ajuda a construir conhecimento sobre o mundo e sobre mim mesma. Tive oportunidade de me apropriar de algumas técnicas da dança moderna e de algumas linguagens de danças brasileiras, passando pela capoeira, congos, maculelê, samba - de – roda e outras manifestações da cultura popular brasileira.
No entanto, foi na dança contemporânea que encontrei sentido para prosseguir construindo conhecimento. O motivo maior desta escolha está relacionado aos princípios históricos a que ela se atrela.
Na década de 60, período em que a dança contemporânea efervescia nos Estados Unidos, o palco italiano deixava de ser o lugar exclusivo da dança, que passa a invadir os espaços públicos. Coincidentemente foi em uma igreja em Nova York, a Judson Memorial Church, que um grupo de bailarinos realizou uma variedade de experimentações, questionando o que poderia ser nomeado como dança e em quais espaços essa arte poderia ocupar e se expor. (Salles, 2006)
A proposta era encurtar as distâncias entre artista e público, tanto através dos espaços ocupados, como através da movimentação utilizada nas criações, nas quais foram introduzidas gestuais comuns ao cotidiano popular. Outra possibilidade aberta nesta proposta foi o diálogo entre diferentes estilos de dança e práticas corporais, buscando encontrar nas diferenças as congruências de sentidos e significados.
Este pensamento ideológico possibilitou uma diversificação da linguagem da dança, no sentido em que ela pôde acolher diferentes meios de manifestação pelo movimento. Caem por terra verdades absolutas de corpos específicos adequados à dança, de artistas superiores a espectadores, de apenas uma forma de dança adequada a simbolizar, leveza, tristezas, amores, morte, assim como, a idéia de que a dança sempre é uma manifestação de alegria e beleza.
As relações e experiências humanas são consideradas pela dança contemporânea como um recurso de criação essencial, pois estas experiências revelam-se nos relacionamentos como um conhecimento sobre o indivíduo e deste sobre o mundo. Uma vez que ela não possui um código de movimentos pré-estabelecido, como encontramos na dança clássica, por exemplo, a dança contemporânea permite ao seu intérprete-criador, elaborar e construir os seus próprios códigos de movimentos, de acordo com o conhecimento e os sentimentos que possui, tanto no aspecto técnico da dança como no aspecto moral. Dançar é sua forma pessoal de interpretar o mundo. É o seu caminho pessoal com Deus.
Ao criarmos e elaborarmos códigos de movimentos, encontrarmos representações na linguagem da dança para nossos sentimentos ou percepções do mundo, consequentemente reelaboramos idéias e conceitos de nós mesmos ou da sociedade na qual estamos inseridos. Além de revermos conceitos, temos a possibilidade de criarmos através da arte, universos imaginários onde a poesia pode substituir a apatia. Ou seja, abrimos espaços para a transformação da nossa realidade.
O ato de criar é portanto, um ato de construção de conhecimento e de transformação do ser humano. Uma vez que para sonhar com um novo homem e uma nova sociedade é preciso primeiramente tomar a consciência do nosso atual estado evolutivo, sabendo que ele é temporário e passageiro e assim, aspirarmos condições mais elevadas.
É justamente neste aspecto que a dança contemporânea e a Doutrina Espírita se aproximam, na minha opinião, partindo do princípio de que expressamos exatamente aquilo que somos e pensamos, mas não estamos presos a estas formas. Deus nos possibilitou a capacidade de modificá-las através do nosso esforço próprio e do nosso aprendizado.
Entretanto todas estas etapas de construção de conhecimento só terão sentidos quando o maior deles for adquirido. A de que Deus rege todas as coisas do universo e que portanto sendo eu parte do universo também sou regida por Deus.
O caminho desta mudança no entanto, é percorrido num tempo indeterminado e em espaços variados onde o Espírito pode habitar. Assim, tal qual na dança, é o movimento, o tempo, o espaço, que estimula o surgimento da beleza, do novo, em detrimento do velho.



Uma vez que, somos Espíritos eternos e que sabemos que a nossa evolução ocorre na terra, assim como em outros planetas, à medida que, nos transformamos vamos modificando também nossos códigos de movimentos e nossas expressões. Vamos modificando as nossas forma de dançar, de representar a nós mesmo e ao mundo. Eis aqui mais um diálogo possível da linguagem da dança contemporânea com o Espiritismo, pois ela representa o estágio evolutivo do nosso Espírito.
Em suma; chegar a Deus no estágio que nos encontramos é um percurso composto de muitas vicissitudes e dos vícios que trazemos desta e de outras encarnações. O processo de criação da dança contemporânea, sob a luz do Espiritismo, nos permite encontrar a beleza apesar das sombras. Ou seja, ela não mascara as nossas imperfeições e as nossas dificuldades, mas ela aponta caminhos por meio da arte do movimento de transformamos esta realidade, em uma nova realidade com Jesus que nos ensina a amar buscando o verdadeiro sentimento de humanidade:
Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo
(Mateus 22:37-39)
Dançar perpetua o movimento do eterno e do divino em nós.

[2]Nascer, Morrer, renascer ainda e Progredir sem cessar, tal é a lei
(Allan Kardec)

[3]O que vive, dança. E o que morre permuta outro campo de movimento...inicia novo círculo de expressão com nova significação!”


Bibliografia  Utilizada:
ALLAN, K. (1857)- O Livro Dos Espíritos de Estudos-tradução Francisco Maugeri-1ª.edição (2007). Cáritas Editora – Campinas.
ALLAN, Kardec. (1864)- – O Evangelho Segundo O Espiritismo de Estudos -tradução – Francisco Maugeri – 1ª. edição (2004). Cáritas Editora – Campinas.
BANES, S.(1987) Terpsichore in Sneakers. Connecticut, Wesleyan- University Press.
HAY, Débora. Artigo (s/ data) : Comprimentos de Ondas ou Fio Telefônicos? In: DALY, Ann (org). Em que se Transformou a Dança Contemporânea?.
SALLES, Paula. (2006) Dançando o Sagrado na Contemporaneidade. Monografia de conclusão do curso de Especialização em Estudos Contemporâneos de Dança pela UFBA e pela Faculdade Angel Vianna.
Referências Bibliográficas:
BOURCIER, Paul. (1987). História da Dança no Ocidente. Editora Martins Fontes. São Paulo.
In, BREMSER, M. (1999) - Fifty Contemporary Choreographers
Selection and editorial matter-
CORTES, Gustavo Pereira - Dança, Brasil: festas e danças populares
MARQUES, Isabel (1999) – Ensino de Dança Hoje: textos e contextos. São Paulo: Editora Cortez.
GOLBERG, K (s/d). –Performance – Live art since the 60’
PORTINARI, Maribel (1989) –História da Dança – Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira




[1] Profa. Dra. Isabel Marques, fundadora e diretora da Caleidos Cia de Dança. Vide o livro o Ensino da Dança Hoje: textos e contextos. 1999.

[2] Frase escrita no túmulo de Allan Kardec
[3]Vide introdução do texto.

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