segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Espiritismo na Dança

“...Cada vez que penso em dança; Meu corpo ganha uma vida exuberante; Um brilho que nenhum ser humano tem;
Minhas mãos falam várias línguas; Que todos conseguem entender; Meus pés ganham vida como se dançassem sós;
Meu corpo grita; Todas as palavras do meu espírito;
Como se eu nunca tivesse falado...”
                                                                       Mayra Santos

           
            Se apurarmos o nosso olhar no movimento de arte espírita, mais precisamente nas diferentes linguagens artísticas presente no movimento, veremos que, enquanto os grupos de música, os corais, os grupos teatrais representam centenas no movimento espírita, a dança ainda se move timidamente nestes cenários. Os motivos são inúmeros. Vão desde o preconceito com esta forma de arte, geralmente vinculada à sensualidade e temas menos dignos veiculados pela mídia até a falta de pessoas preparadas para trabalhar com um grupo de interessados, já que exige uma formação técnica.  Nosso intuito não é o de fazer comparações, nem quantificarmos qual linguagem artística têm mais adesões no movimento espírita, apenas aguçarmos mais o nosso olhar para enxergarmos a dança no contexto do movimento de arte espírita. Apesar de se verificar um crescimento no número de grupos espíritas de dança, sua representatividade ainda é pequena em relação às demais formas artísticas.
            Além de contextualizar a dança no movimento espírita, nosso objetivo é refletir sobre sua especificidade e os benefícios de sua prática de forma sucinta, baseando nossa fala na experiência de dez anos no trabalho de difusão do espiritismo na dança, do nosso contato com grupos espíritas de dança através da Mostra Espírita de Dança “Oficina do Espírito” [1], e do embasamento teórico de pesquisadores da dança e de autores da nossa vasta codificação como Léon Denis.
            Entendemos aqui, por grupo espírita de dança, um conjunto de pessoas, sejam jovens, adultos ou crianças que se reúnem regularmente para aprimorarem técnicas de dança, estudarem e montarem coreografias à luz do espiritismo, bem como realizarem apresentações.
           
                       
A dança no movimento espírita

“... Sim, certamente o Espiritismo abre á arte um campo novo, imenso e ainda inexplorado; e quando o artista reproduzir o mundo espírita com convicção, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações, e o seu nome viverá nos séculos futuros, porque às preocupações materiais e efêmeras da vida presente, substituirá o estudo da vida futura e eterna da alma.”
                                                                                      Allan Kardec
           
            Há tempos temos observado que grande parte dos centros espíritas conta com um ou mais grupos de música, seja ele coral ou um grupo/banda de música. São muitos os grupos que lançam cd´s e fazem apresentações para público espírita e não espírita. Além disso, existem vários festivais, onde se estuda e se aprimora tecnicamente o trabalho vocal e tudo o que envolve a produção artística nessa área. O mesmo acontece na área da dramaturgia. Não podemos afirmar que toda casa espírita conta com um grupo de teatro, mas existe uma grande quantidade de grupos e festivais/encontros relativos a essa modalidade artística. Já a dança, é muito menos comum. Suas aparições se limitam a apresentações de fim de ano, onde um grupo se organiza e monta uma coreografia, geralmente turmas da evangelização infantil, às vezes aparece dentro de uma peça teatral onde há uma rápida performance ou numa apresentação de um grupo musical, onde algumas pessoas desenvolvem movimentos referentes à letra da música, ou nem isto, apenas movimentam-se seguindo o ritmo. Como dissemos anteriormente, menos comum que os grupos teatrais e musicais, existem grupos espíritas de dança, que trabalham especificamente esta linguagem artística, fazendo uso de técnicas e desenvolvendo um trabalho sério, mas em relação às demais linguagens artísticas seu número é muito reduzido.
            Buscando motivos para entender, para contextualizar, tentaremos listar alguns itens que podem explicar o porquê:
  • Preconceito – essa palavra é um tanto quanto forte, mas buscando a ajuda de um dicionário vemos que “preconceito é um conceito antecipado; opinião formada sem reflexão, superstição, prejuízo”.  Acreditamos que essa palavra cabe aqui em nossa discussão. A dança, diferente de outras linguagens, sofre com o preconceito. Geralmente quando se fala em dança, a maioria das pessoas a liga a sensualidade, a sexualidade, a imagens estereotipadas passadas pela mídia. Segundo OSSONA (1984), a dança, que muitos historiadores apontaram como a mais antiga das artes, é paradoxalmente – em sua forma culta – a de mais recente aparição entre nós.  Somado a isso, temos o pouco acesso que a maioria das pessoas tem a espetáculos de dança, contribuindo para que seja criado um preconceito, já que o modelo mais próximo é o passado pelos veículos de comunicação ou referente a própria cultura regional em que o sujeito está inserido.  Essa questão é muito interessante, porque estudando a dança em outras correntes religiosas verificamos o mesmo conflito, a mesma dificuldade nesta linguagem artística.
  • Outro fator está relacionado com a sua própria especificidade. A música e a dramaturgia têm a palavra a seu favor, o que facilita o entendimento da mensagem que se queira transmitir.  Já na dança, é preciso criar um movimento sem o uso da palavra, o que nem sempre é tão fácil.  A coreografia é criada sem um roteiro pronto, que se encontra numa obra, mas num roteiro que se constrói da interação do estudo da doutrina com a criação de movimentos relacionados com a mensagem que se queira transmitir ou fazer sentir.  Daí encontrarmos muitas pessoas com formação técnica na dança nos fazendo a clássica pergunta: Espiritismo na dança, como fazer?
  • A ausência de pessoas com formação técnica na área e que tenha conhecimento da doutrina, às vezes representa um empecilho, principalmente para os grupos que estão começando, pois apesar de terem um respaldo técnico de um profissional da área, a montagem da coreografia se torna encargo do grupo, já que exige estudo e conhecimento da doutrina espírita.

O objetivo de listarmos esses itens, não foi de qualquer forma o de fazermos um levantamento das dificuldades encontradas, mas de tentarmos entender porque a dança ainda aparece tímida no movimento de arte espírita, enquanto as demais modalidades aparecem de forma mais expressiva.
O panorama da dança no movimento de arte espírita vem se ampliando.  Muitos grupos têm sido criados e os já existentes buscam aprimoramento técnico e doutrinário.  O objetivo maior é a união dos grupos para que se ajudem mutuamente compartilhando experiências, produzindo materiais, organizando mostras, enfim, crescendo juntos.

Novos horizontes


“Usa a criatividade e a beleza da Arte para modelar o protótipo ideal do "homem novo" que será aquele que hoje se apresenta à tua frente como Espírito sedento de educação com amor”.
                                                                      Autor desconhecido


Segundo ACHCAR (1980), a dança em sua forma elementar é uma necessidade natural e instintiva do homem exaurir, pela movimentação, um estado emocional. É a arte do movimento e da expressão, onde a estética e a musicalidade prevalecem.
A dança, como as demais formas de arte acompanham o homem no seu processo evolutivo, evoluindo com ele.

“Como há evolução nos seres, há evolução nas artes. Têm-se os primitivos nas artes da mesma forma que nas ações e nas virtudes, porém a centelha sempre brilha nas condições nas quais pode manifestar-se para afirmar a grandeza de Deus.” (Dennis, 1922, p.77)

            Isto se torna claro se voltarmos nosso olhar ao homem primitivo e suas manifestações ainda desordenadas e instintivas e caminharmos com ele e sua dança pelo Egito, Assíria, Pérsia, índia, China, Grécia, Roma e Europa Ocidental, prosseguindo pela Idade Média, Renascença até nossos dias.
            A prática da dança permite ao homem enriquecer tanto qualidades físicas, como psíquicas e espirituais. No que diz respeito as primeiras podemos citar: a beleza corporal, a visão, a precisão, a coordenação, a flexibilidade, a tenacidade, a imaginação, a expressão, o trabalho em grupo, a cooperação, entre tantos outros benefícios. Mas é no campo espiritual que entendemos toda a sua extensão:
           

“Assim como a música trabalha com os movimentos interiores da alma, a dança exterioriza os movimentos do seu mundo interior. Dançando, o homem transcende o ser físico, adentrando na harmonia com o ser espiritual que há em si mesmo e exterioriza esse ser espiritual em vibrações harmônicas nos movimentos de seu corpo. A emoção vibra em seu coração e se exterioriza nos movimentos harmônicos do corpo, que representam os movimentos interiores da alma. O artista abre espaço no próprio espaço para a sua vibração que se expande além do visual e atinge o expectador que pode captar, não só pelos olhos e pelos ouvidos, mas entrando em sintonia com essa vibração.” (Alves, 2000, p.206)

            Daí a importância fundamental da reforma íntima, o grande diferencial que transforma nossa arte e nos transforma.  O objetivo primeiro de todo grupo espírita de dança – modificar-se.
            Finalizando nosso artigo, acreditamos que muito há o que ser estudado e pesquisado acerca da dança no espiritismo, estamos no limiar de um processo, mas o futuro depende do nosso trabalho no hoje.
Sabemos que há um longo caminho pela frente, cheio de pedras e às vezes espinhos, mas as flores e as alegrias nos esperam na medida do nosso esforço por renovarmo-nos.  Assim, num equilíbrio perfeito, o que deve nos mover é a busca pela técnica para que o nosso instrumento de expressão se torne cada vez melhor e a busca pela melhoria interior, para que sintonizados com o Alto possamos expressar pela dança nossa essência divina que emana de Deus.

                                                                            Daniela Luciana Pereira Soares      

Referências bibliográficas:

  • ACHCAR, Dalal. Balé uma arte.  2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.
  • ALVES, Walter Oliveira. Introdução ao Estudo da Pedagogia Espírita: Teoria e Prática. 1ª ed. Araras/São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 2000.
  • DENNIS, Leon. O Espiritismo na arte. 2ª ed. Rio de Janeiro: Publicações Lachâtre, 1994.
  • KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 3ª ed. Araras/São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 1995.
  • OSSONA, Paulina.  A Educação pela Dança.  São Paulo: Summus, 1988.
  • ROCHA, Ruth. Minidicionário São Paulo: Scipione, 1995.


[1] A I Mostra Espírita de Dança “Oficina do Espírito”, aconteceu em 5 de Outubro de 2001 no Instituto de Difusão Espírita, na cidade de Araras/SP. Ela foi criada e idealizada pelos integrantes do Grupo Espírita de Dança Evolução.
Observando que dentro do meio espírita é muito comum se verem manifestações artísticas na área do teatro e música e muito raro na área de dança, resolveram organizar uma mostra de dança espírita, com o intuito de: divulgar e valorizar a dança como forma de expressão artística dentro do movimento espírita, propiciando espaço para que ela se desenvolva; promover a integração e a troca de experiências entre diferentes grupos espíritas de dança; estimular criação coreográfica embasada nos ensinamentos espíritas (nas obras básicas da codificação); propiciar o estudo e reflexão acerca da arte espírita. Em sua primeira edição, a Mostra Espírita de Dança “Oficina do Espírito”, contou com a participação dos seguintes grupos: Grupo JECAL – São Paulo/SP, Grupo Sáphyra - Recife/PE, Grupo FEH – São Paulo/SP, Casas André Luiz – SP/SP, Grupo Arte Vidinha – Franca/SP, Grupo de Dança Apae – Araras/SP, Grupo Espírita de Dança Evolução – Araras/SP e Grupo Graça e Luz – SP/SP. Desde então, a Mostra Espírita de Dança “Oficina do Espírito” nunca mais parou, realizou-se a segunda em Dezembro de 2002, contando com a participação de além dos grupos já citados, dos grupos de Leme, Pirassununga e de participantes de Campinas, Araraquara e São Carlos. A Mostra hoje, está na sua 7ª edição.


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